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Desconcentrado - Parte III



Ele se ocupou do treino novamente quando percebeu que o homem caminhava em sua direção. Sentiu um frio e um disparo no coração. O homem parou ao seu lado, tirou os fones e disse, com a voz baixa, quase casual: “Tudo certo?” A pergunta era simples, mas havia algo por trás dela que o fez se sentir inseguro. Ele hesitou, sem saber se o homem estava realmente interessado nele. Antes mesmo que pudesse responder, o homem continuou. “Meu nome é Kike”. Ele percebeu que estava suando um pouco mais do que o comum para este fim de treino. Precisava dizer algo.


- Meu nome é Carlos

- Prazer, Carlos.


O homem olhou para ele por um segundo a mais do que o necessário, um olhar difícil de decifrar. Logo disse, em um tom quase neutro “Eu vou te passar o meu número”.

Ele ficou paralisado. Não sabia como agir, não sabia o que dizer. Qual seria o motivo disso?


- Você não quer salvar no seu telefone? - Disse o homem, quase rindo.

- Ah, claro, desculpa, eu fico meio avoado no fim do treino. - Enquanto disse isso, suas mãos percorreram seus bolsos para sacar o telefone. Nervosamente ele destravou o dispositivo e entregou o aparelho para Kike.


Em poucos instantes o homem devolveu o aparelho para ele, e ele notou que continuava parado, como um animal pego de surpresa quando faz algo errado. Será que o homem percebeu os olhares dele? Será que ele estava com ciúmes de sua namorada?


-A gente se fala mais tarde.


Foi tudo o que ele disse antes de se afastar, deixando-o com uma sensação de quem havia ganho na loteria e desobedecido aos avós ao mesmo tempo. Eles iriam se falar mais tarde. Quando mais tarde? Concentrou-se em recolher suas coisas, limpar o equipamento e ir ao vestiário tentar entender o que havia acontecido. O homem não o seguiu, e quando saiu de lá, notou que o casal já havia deixado a academia.


Depois de cinco horas e doze minutos, o telefone vibrou. Ele estava em casa sentado no sofá. Uma mensagem curta, sem contexto: “Tudo certo Carlos?” Ele olhou para a tela, surpreso e com uma onda de ansiedade passando pelo corpo. O que aquilo significava? Era uma mensagem amigável ou algo mais? Ele demorou para responder, lendo e relendo a frase. Quando finalmente digitou, o melhor que conseguiu elaborar foi um “Bem sim, e com você” e enviou. Sentiu que suas mãos tremiam levemente.


Passados dois minutos, recebeu uma mensagem - Minha namorada acabou de chegar em casa da faculdade, nos falamos amanhã.


Isso era ao mesmo tempo um paraíso, pois agora estava mais próximo do que nunca esteve de realizar as suas fantasias diurnas com aquele homem, mas ao mesmo tempo não tinha ideia de como agir. Ao menos ele tomou a iniciativa, e precisava ele ser tenaz para também tomar a iniciativa quando fosse preciso.


As trocas de mensagens continuou nos dias seguintes, sempre breves, secas, como se o homem estivesse testando seus limites e sua paciência. "Treino pesado hoje?" ou "Que horas você vai amanhã?" Não havia profundidade, mas cada mensagem parecia carregar um peso, como se algo mais estivesse por trás delas, escondido nas entrelinhas. Ele respondia com cuidado e com intenção, sempre sem saber se estava lendo demais ou se o homem realmente estava interessado nele da mesma forma.


Seis dias depois, enquanto ajeitava sua bolsa para a academia, recebeu uma mensagem diferente. “Você está livre depois do treino amanhã?” Carlos sentiu o coração disparar. Mesmo que não estivesse livre, faltaria a qualquer compromisso. Respondeu rapidamente - Estou livre sim, e essa foi a última mensagem que trocaram aquele dia.


As horas demoraram a passar até o dia seguinte. Teve uma noite de sono conturbada, e sonhou com peixes mordendo seu calcanhar. No dia seguinte, levantou da cama antes do despertador tocar, preparou-se e foi para a academia. Assim que chegou lá, viu a namorada dele passar em sua frente e abrir um sorriso. Ele retribuiu a saudação e notou o seu rosto corar.


O treino foi cheio de distrações. Ele não conseguia se concentrar, e depois de avistar Kike pela primeira vez, tudo piorou. A presença do homem parecia intensificar tudo, mas a presença da namorada dele deixava tudo muito mais confuso. Os olhares se cruzavam, breves, mas suficientes para mexer com ele. O homem não dizia nada além de um rápido aceno de cabeça, e essa distância aumentava a tensão. Ele não sabia ser ambíguo.


Tomou um longo banho à espera de algum tipo de sinal. Nada. Vestiu-se e, quando estava prestes a ir embora, o telefone vibrou. Uma parte dele vibrou junto de emoção e tesão. “Se você quiser, vem aqui em casa. Moro há 2 quarteirões.” Em seguida estava o endereço completo. Não havia detalhes, nem explicação, e aquilo o deixou ainda mais confuso. Era hora de ele retribuir a iniciativa. Juntou toda a coragem que tinha com o desejo que sentia e digitou, mesmo que hesitante.


“Mas e a sua namorada?“


“A gente te espera.” Por um segundo ele sentiu fisicamente o choque de realidade que havia recebido. Kike não tinha intenções com ele. Estava ali fantasiando uma aventura sexual com um estranho que tomou a iniciativa de ser seu amigo. Sentiu-se péssimo, sentiu-se infantil e frustrado.


Ele digitou e apagou sua resposta várias vezes, o nervosismo crescendo dentro de si. Depois de muito hesitar, enviou: “Ok” 


No caminho para o apartamento de Kike, ele continuava revivendo cada olhar, cada troca de mensagem, tentando decifrar o que estava acontecendo. Será que era tudo em sua cabeça? Será que o homem estava apenas sendo educado? A ideia de encontrar o homem fora da academia o excitava e aterrorizava ao mesmo tempo, como se estivesse prestes a cruzar uma linha invisível. Cada passo parecia carregar o peso das suas expectativas e inseguranças.


Mesmo com os olhos abertos em sua frente via o corpo despido daquele homem em sua frente. Era como se seu cheiro estivesse ficando mais forte quanto mais chegava perto do local. Ele conseguia ver as veias em seus antebraços, os cílios de seus olhos tão atraentes. Precisava se concentrar e ser amigável. Era o melhor que podia fazer.


Na entrada do prédio, ele hesitou, quase girando nos calcanhares para ir embora. Mas algo o impediu. Ele tocou o interfone, a voz do homem soou clara: “Sobe.” Ele respirou fundo, entrando no elevador, sabendo que, uma vez lá dentro, não havia mais como voltar atrás.



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